Cabaret de Insectos: Dracularium Freak (FIMFA Lx15, São Luiz Teatro Municipal, 2015) |
"Falar de marionetas com a maioria dos homens e mulheres, é fazer com que sorriam. Pensam logo em fios; pensam em mãos rígidas e movimentos bruscos; dizem que é uma pequena boneca engraçada. Mas deixem-me dizer-lhes uma ou duas coisas sobre estas marionetas. Deixem-me repetir mais uma vez que elas são descendentes de uma nobre e grande família de Imagens, Ídolos que foram feitos à imagem de Deus; e que há muitos séculos, estas figuras tinham movimentos harmoniosos e não bruscos; não precisavam de fios para as segurar, e não falavam através da voz nasalada de um manipulador escondido. (...) Pensavam, senhoras e senhores, que estas marionetas eram sempre coisas pequenas, pouco maiores do que um pé?
Certamente que não! A marioneta fazia outrora uma figura maior do que vós mesmos.
Pensam que ela batia com o pé numa pequena plataforma, com cerca de seis pés de largura, feita à imagem de um pequeno teatro pitoresco; que a sua cabeça quase tocava no proscénio? E pensam que ainda habita numa pequena casa, com a porta e as janelas feitas à dimensão de uma boneca; as grandes portadas pintadas abertas e onde as flores do seu pequeno jardim têm grandes pétalas do tamanho da sua cabeça? Tentem tirar completamente essa ideia das vossas cabeças, e deixem-me falar-vos um pouco sobre onde ela vivia (...)."
-Edward Gordon Craig
A marioneta é mais do que um mera figura ou objecto criada para nos fazer rir ou dedicada exclusivamente a crianças. Esta são ideias ainda demasiado persistentes nos nossos dias. E é algo que ‘nos’ irrita, pelo menos a mim, como marionetista. Talvez por isso, e por ver na marioneta o seu potencial de liberdade artística e criatividade, foi sempre algo que tentei combater.
Desde quando me lembro de pensar nestas figuras como algo que podia transmitir ideias, conceitos ou com as quais que me podia exprimir? Procuro na minha memória... nos Robertos? Lembro-me de os ver deliciada na minha infância num jardim em Lisboa... Mas o clique não foi aí. Recordo-me de brincar muito com as minhas mãos, pareciam-me suficientes para até fazer filmes de cowboys (gostava especialmente do Roy Rogers...) ou os bailados do Fred Astaire e da Ginger Rogers, com a ajuda de objectos inusitados e, sim, com as minhas Tuchas de serviço. Mas o clique ocorreu em dois momentos: com o Vasco Granja, que me deu a conhecer as sombras fantásticas de Lotte Reiniger e com Jim Henson e “Os Marretas”. A partir daqui gostava de perder horas a recortar figuras e através dos Marretas percebi a multiplicidade que era inerente a esta forma de Arte.
É esta diversidade e volto a repetir liberdade que me atrai. E não pertencer a um nicho, pois a marioneta também produz paixões perigosas, ímpetos furiosos que tentam defender de forma quase religiosa a tradição. Mas também é necessário garantir a tradição e a manutenção das suas técnicas, é a partir dela e do seu conhecimento que podemos renovar.
Basta olharmos para o último século para perceber como a marioneta foi e continua ser um manancial quase inesgotável de experiências artísticas e cénicas, fonte de inspiração para as vanguardas dos movimentos teatrais. Basta pensar num conjunto de nomes, como Kleist, Maetelinck, Gordon Craig, Alfred Jarry, Schlemmer, Schawisnky, Obraztsov, Philip Genty, Kantor, Bob Wilson, etc., etc.
O marionetista já saiu há muito tempo da obscuridade, do castelet, explorando a interacção entre marionetas, actores, objectos... e até o próprio castelet pode ser uma personagem. Talvez a sua fonte de encantamento seja esta capacidade de ilusão que proporciona. A forma como os objectos de madeira, tecido, metal, plástico, cartão, são metamorfoseados, ganham vida e sentimentos. E esta ilusão, quando bem feita, é algo que simultaneamente nos perturba e fascina. Por isso aguardo com ansiedade o seu futuro, os seus recursos parecem infindáveis. E o próximo espectáculo é já amanhã.
BIO
Rute Ribeiro (PT): Co-Directora Artística do FIMFA Lx – Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas e da companhia A Tarumba - Teatro de Marionetas.
Participou no FIMFA com Amor de Don Perlimplín com Belisa no seu Jardim (Casa d’Os Dias da Água, 2004); Red Hot FIMFA’s Jazz Band (Maria Matos Teatro Municipal, 2008), Mironescópio: A Máquina do Amor (CAMa – Centro de Artes da Marioneta, 2010; Galeria Boavista, 2012; Teatro Taborda, 2014), Cabaret de Insectos: Dracularium Freak (São Luiz Teatro Municipal, 2015).