Ma Foi (FIMFA Lx13, São Luiz Teatro Municipal, 2013) |
Se eu gosto tanto do teatro dito de "objectos", é porque me permite abordar totalmente todos os temas com uma distância segura.
Esta distância, materializada pelo jogo com os objectos, cria uma decalagem poética, por vezes burlesca, que anula o aspecto didáctico, o realismo, sem nunca negar ou omitir a realidade em questão. Como um jogo de sombras e de luzes, destaca o tema, dando-lhe maior densidade.
Gosto de trabalhar com objectos pequenos, porque tenho a sensação de que os humanos se sentem geralmente muito pequenos no mundo que os rodeia, como se estivessem por vezes num fato demasiado grande, ou numa cenografia mal dimensionada.
A relação de escala entre o corpo de um actor e o de um objecto cria uma distância burlesca e poética que fala sobre a humanidade, da nossa incapacidade de adaptação ao nosso ambiente ou dos nossos desejos impossíveis, da nossa pequenez, do nosso absurdo, e da nossa capacidade de nos deixarmos por vezes manipular...
No seio da “Compagnie à” gostamos particularmente de trabalhar com objectos "fabricados", ou seja, que não foram criados para o teatro, porque falam decididamente de seres humanos. Fabricados por e para os homens, falam sobre a nossa sociedade, as nossas necessidades, o nosso tempo, sobre o nosso desejo de possuir, sobre as nossas futilidades, sobre o tempo que atravessamos. Eles são testemunhas, vestígios, companheiros de viagem.
Fazê-los viver num palco de teatro, é de alguma forma ouvir a sua história, propor um outro ponto de vista da nossa sociedade e sobre nós próprios. Aceitar rir um pouco de nós mesmos, e ousar olharmos à distância, um pouco mais longe...
O teatro de objectos permite falar sobre o ser humano, da sua grandeza e das suas fraquezas, com humor, para melhor aceitarmos a crueldade da nossa existência temporal.
O riso tem realmente a imensa virtude de trazer a humanidade a um mundo onde a questão humana e onde os corpos estão cada vez menos presentes.
O riso leva-nos à beira do abismo, da falha, da queda.
O riso é uma encarnação de um traço de espírito no corpo, é o pensamento feito corpo.
Acho que podemos rir de tudo e é também isso que faz o escândalo. Falo do riso que se partilha, que é comunicativo, e não de troçar, do riso que exclui, o que humilha. Rir juntos, rompe as fronteiras do pensamento, reivindica uma forma de inocência.
O humor é para mim uma verdadeira arma de resistência do humano face ao desumano.
Graças a ele, a realidade, mesmo a mais terrível, é transcendida, sublimada, deixando-nos a oportunidade de nos evadirmos durante uma gargalhada. O humor oferece-nos uma saída. É o oposto da renúncia. Ao disfarçar o real, revela o humor. Ao levar uma situação ao absurdo, o riso sublinha a profunda estupidez, a indignação, o desânimo.
O riso desarma, liberta.
Face ao insuportável, há ainda a possibilidade de rir. Que conforto!
BIO
Dorothée Saysombat (FR): Actriz e encenadora. Co-directora artística da “Compagnie à”.
Participou no FIMFA com La Chambre 26 (CAMa – Centro de Artes da Marioneta, 2009) e Ma Foi (São Luiz Teatro Municipal, 2013).