Rust (FIMFA Lx6, Maria Matos Teatro Municipal, 2006) |
"Eu gosto do absurdo, acorda as células do cérebro. A fantasia é um ingrediente necessário na vida, é uma maneira de olhar a vida pelo lado errado de um telescópio e é o que eu faço e o que me permite rir das realidades da vida."
Na nossa antiga e muitas vezes incompreendida forma de arte, os marionetistas têm acesso ao mais precioso dos dons teatrais. As principais ferramentas do nosso ofício - figuras, objectos e projecções - não respeitam as leis físicas naturais da mesma forma que um actor. E porque com esses efeitos especiais finais podemos evocar mundos fantásticos e acontecimentos impossíveis, temos liberdade para levar o nosso público pelos trajectos mais chocantes e absurdos. As únicas limitações colocadas ao artista são os limites da sua própria imaginação.
Existem marionetistas para quem a sensação de absurdo é a sua força vital. Não temem a utilização de histórias incoerentes, caóticas ou arcos não-lineares no seu teatro. Tentam criar um teatro incrivelmente visual que abraça o surreal e do qual o público raramente sai de acordo sobre o que acabou de ver, ou qual o seu significado.
A produção criativa da minha própria companhia, Green Ginger, foi extremamente influenciada pela celebração da cultura popular europeia do absurdo. A era vitoriana no Reino Unido proporcionou os livros de Edward Lear, Book of Nonsense [O Livro dos Disparates], e de Lewis Carroll, Through the Looking Glass [Alice do Outro Lado do Espelho], dois livros clássicos que encontraram o seu caminho nos corações e mentes de todas as idades. Ao longo do século XX os movimentos de arte surrealista, dadaísta e Fluxus, deram ao mundo uma extensa linguagem visual do bizarro através do cinema, escultura, pintura, entre outras formas. Na década de 1960, graças à BBC, novas formas de comédia encontraram o seu caminho nos lares do Reino Unido; nomeadamente The Goon Show e Monty Python’s Flying Circus, séries populares baseadas em sketches, que se atreveram a distanciarem-se dos formatos padrão, que terminavam com a moral da história. Com uma influência menos directa, mas ainda significativa nos fundamentos da nossa paisagem do absurdo, foram as peças de Alfred Jarry, Eugene Ionesco, Samuel Beckett, entre outros.
A minha companhia tem desfrutado dos desafios associados ao percorrer os campos do absurdo com o teatro de marionetas, mas não somos a de maior sucesso, nem a mais corajosa. Admiramos os mundos líricos e visuais da Compagnie Philippe Genty e temos boas memórias da extinta Faulty Optic, em cujos espectáculos, o texto daria lugar a correntes de imagens sombrias e surreais, servidas sem o sentido de uma narrativa coerente. A popularidade destas duas companhias diz algo sobre o apetite do público por um teatro corajoso e estranho.
BIO
Chris Pirie (UK): Marionetista, professor e um dos organizadores de Bristol Festival of Puppetry. Director artístico da companhia Green Ginger.
Participou no FIMFA com Rust (Maria Matos Teatro Municipal, 2006).