Luís Vieira: Teatro de Marionetas, um Teatro do Futuro


Mironescópio: A Máquina do Amor (FIMFA Lx14, Teatro Taborda, 2014)

"Cada artista possui uma arma ofensiva que lhe permite brutalizar a tradição."
- Fernand Léger


Na verdade desde sempre que fui fascinado pelas marionetas, primeiro na escola, onde cuidadosamente elaborei, com a ajuda da minha mãe, as minhas primeiras marionetas, e mais tarde o deslumbramento pela obra de vários artistas que evocavam a marioneta como centro da sua criatividade.
O mundo da marioneta é deveras entusiasmante, é de certa forma um universo operático, onde olhamos o mundo com o olhar de Deus. Diria que o teatro de marionetas é um teatro total, uma experiencia única onde podemos escrever, pintar, desenhar, construir e dar vida a personagens inanimados… protagonizar o milagre!
A arte da marioneta é uma arte profundamente enraizada nas múltiplas tradições que lhe dão identidade, mas que pela sua própria natureza tem em si o gérmen da sua renovação.

Não, as marionetas não são “coisas do passado”, as marionetas são teatro Hoje e estão cada vez mais presentes, no cinema, na televisão, por todo o lado. Quando subimos ao palco são os nossos deuses de existência efémera, esse lugar de partilha e criação de verdades com o público, esse lugar mágico da criação.

O teatro de marionetas projecta o espectador num lugar mágico, fora do tempo, para lhe dar a conhecer um universo de emoções rasgadas. O público é chamado a participar na criação desta realidade, à qual não pode ser alheio, sob a pena de esta, pura e simplesmente deixar de existir, ou nem sequer chegar a ter lugar.
São também essas relações entre a cena e o público que a marioneta soube questionar desde a sua génese e sobre as quais reflectem hoje em dia o teatro ou a dança contemporânea; o lugar do público, e o lugar do público é dentro do teatro, espaço de comunhão e partilha.

Modernidade, futuro, experimentação e descoberta, teatro rizoma, fragmentado, de múltiplas escolhas, arte múltipla, teatro, dança, objectos, circo e Instalações… a marioneta tem esta capacidade de se apropriar e contaminar a Arte para evocar a sacralização da morte/vida, a partir de um pedaço de metal ou madeira, de uma folha de papel ou um pedaço de cordel, na tentativa de dar sentido e explicar a existência humana e a sua própria realidade.

É esta fragilidade que torna o seu carácter fascinante, arte híbrida, mutante e experimental. Lugar de questionamento constante, que permite aos artistas arriscar, reinventando a sua arte, abrindo perspectivas cada vez mais estimulantes sobre a marioneta e a cena do futuro.

Arte biónica, teatro de objectos, estatuária animada, robótica, manipulação directa, luva ou fios, marionetas de sombra, teatro de imagens ou a arte da metáfora sobre a vida.

A marioneta faz parte das nossas vidas, é a nossa razão de vida, é para ela que trabalhamos todos os dias, e é com ela que todos os dias contamos no placo, para criar o deslumbramento com que queremos partilhar e viver as nossas vidas. A arte da escuta da matéria, à qual nos rendemos ao sermos atingidos como uma flecha no coração, quando por instantes, a criatura ganha autonomia.

Arte do tempo, passado, presente e futuro, e o futuro da marioneta é o da reinvenção da própria humanidade e da busca incessante pela liberdade.


BIO
Luís Vieira (PT): Director Artístico do FIMFA Lx – Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas e da companhia A Tarumba - Teatro de Marionetas.
Participou no FIMFA com  Amor de Don Perlimplín com Belisa no seu Jardim (Casa d’Os Dias da Água, 2004); Red Hot FIMFA’s Jazz Band (Maria Matos Teatro Municipal, 2008), Mironescópio: A Máquina do Amor (CAMa – Centro de Artes da Marioneta, 2010; Galeria Boavista, 2012; Teatro Taborda, 2014), Cabaret de Insectos: Dracularium Freak (São Luiz Teatro Municipal, 2015).