Nicola Unger: Aqui jaz Aquele Cujo Nome foi inscrito na Água. Oh, Meu Deus!



Epitáfio de John Keats: Aqui jaz Aquele Cujo Nome foi inscrito na Água

Cara Nicola,
Este ano é o 15º aniversário do Festival, por isso estamos a planear ter uma edição especial do programa, com as informações dos espectáculos que vamos apresentar este ano, mas também com alguns textos de artistas pelos quais a Tarumba tem um carinho especial.
Gostaríamos de a convidar para escrever para este programa/edição, com um texto sobre a relação entre as artes visuais e o teatro de marionetas. Não queremos limitar os seus pensamentos sobre a temática do texto, mas vou ter de limitar o número máximo de caracteres... vamos dizer 2500 no máximo...


Caro Joaquim,
Ao sentar-me a tentar escrever sobre as duas disciplinas mencionadas acima, sinto-me desconfortável em fazer declarações sobre qualquer uma delas. Embora eu goste de arte, tenha visto exposições e participado em algumas, quer com vídeos ou desenhos e, embora eu goste de marionetas e tenha actuado em vários festivais, sinto-me um fraco juiz.

Flashback. Sentada num carro com a equipa que nos foi buscar ao aeroporto. É a primeira vez que sou convidada para actuar no International Festival for Puppetry&Animation, em Varsóvia, e vou apresentar Phantom Story. A equipa é formada por muitos jovens, conversamos: Já esteve aqui antes? Conhece a Polónia? Em seguida perguntam: Quem é o marionetista que vai actuar? Paul e eu trocamos um olhar. Na verdade, ninguém é marionetista. Respondo: Eu não sou formada em manipulação de objectos; estudei Teatro em Giessen. Silêncio no carro, podia-se ouvir uma agulha a cair. Oh, meu deus!

O que fazes quando sentes que estás no lugar errado na hora errada?
Continuas apenas a fazer o que fizeste antes.

Caro Joaquim,
Acho que fui convidada a escrever sobre este tema porque as minhas performances têm por base fortes escolhas visuais. No meu trabalho acabo sempre com uma configuração técnica rígida, o que ajuda a criar imagens, muitas vezes envolvendo um projector. Além disso, há um tópico e circulo em volta dele, envolvendo diferentes pontos de vista, e utilizando fragmentos de textos ou imagens, uma rede de elementos que enriquecem o formato. Uma colagem entre disciplinas, se precisar de um rótulo. Desenhar costumava ser a minha forma de raiva adolescente, mas a edição de vídeo e animações – DIY, acabaram por o substituir na minha ‘carreira profissional’.

Flashback. Terminei os meus estudos de teatro, a minha tese passou à tangente e os meus professores aconselharam que me dedicasse ao lado prático do teatro. Não é de admirar. A primeira vez que tive de entregar um trabalho escrito, dei-lhes 13 páginas de banda desenhada. (Provavelmente, a primeira sobre teatro religioso na Idade Média!).
Embora tivesse uma lista de referências, não foi aceite e tive de fazer tudo de novo. Oh, meu deus!

O que fazes quando sentes que estás no lugar errado na hora errada?
Continuas apenas a fazer o que fizeste antes.
É como se fosses conduzido. Podes ligar para o “modo reflexivo”, mas os teus pensamentos não vão levar-te muito longe.
Então tens de encontrar outra coisa em que confiar. Um padrão talvez.

Caro Joaquim,
Como é que aprendi a fazer estas escolhas?
Eu não aprendi. (Mas talvez ainda possa se fizer performances durante tempo suficiente). Tempo.
Ao olhar para onde vem a minha inspiração, percebo que já passou bastante tempo desde que uma "nova inspiração" entrou na minha mente. Os que acho que foram inspiradores, já me chamaram a atenção há 10 anos, ou até mais. Continuo a voltar a eles e a alimentar-me novamente.

Flashback. Entro no Museum für Moderne Kunst, em Frankfurt, pela primeira vez, com 17 anos. Estava lá dentro e, ao mesmo tempo, o céu abriu-se. Nunca me vou esquecer disso.

A maior parte das minhas inspirações - artistas, escritores e cineastas, mas curiosamente nenhum encenador - estão mortos. Torna-me num abutre a voar de cadáver em cadáver. Quanto mais envelheço também acho que a inspiração está escondida nas minhas memórias, flashbacks. E tenho a oportunidade de voltar a reinterpretá-las de novo.
Pode-se pensar que o eterno retorno é chato, mas também é reconfortante.

Lotte Reiniger na sua mesa de trabalho

Caro Joaquim,
Provavelmente os melhores trabalhos de marionetas e peças de arte convincentes são os que têm uma lógica e uma consequência própria. Com um padrão subjacente que a mente detecta, responde e obedece. E não importa se estão numa galeria, num festival de teatro de objectos ou em algum lugar avant-garde auto postulado, porque se está simplesmente na hora certa no lugar certo.
(E estou tão ansiosa por ver estas obras no futuro).

Colóquio de cães de Raoul Ruiz

Cumprimentos,

A autora enquanto criança














BIO
Nicola Unger (NL): Artista visual, performer, encenadora.
Participou no FIMFA com Phantom Story (Museu da Marioneta, 2014).