Buddenbrooks (FIMFA Lx14, Maria Matos Teatro Municipal, 2014) |
Pouco tempo depois de ter começado a estudar teatro de marionetas na Alemanha de Leste, na conceituada Ernst Busch Academy of Dramatic Arts, em Berlim Leste, ocorreu a queda do Muro de Berlim e de repente, o mundo para mim mudou completamente. E, assim, as razões que me tinham levado à arte das marionetas também se alteraram: a busca por um lugar subversivo, mais livre, no meio de uma sociedade estagnada e muito fechada. Nessa altura, jurei que nunca mais iria pegar numa marioneta e que iria procurar expressar-me enquanto actor.
Dez anos mais tarde, um acaso trouxe-me de volta ao teatro de marionetas. E descobri um segredo. Num espectáculo, eu tinha como marioneta, um cão, que aparecia entre as outras personagens, que eram todas actores. E o público adorava especialmente este cão. Não simpatizava com os humanos no palco, mas sim com a marioneta, com esta imagem artificial e miniaturizada do que está vivo.
Nós, os humanos, temos a faculdade de nos colocarmos na pele do Outro, de sentir empatia, e quanto mais simples, mais abreviado e mais pequeno este Outro se afigura, tanto mais imediata se torna a empatia. Divertimo-nos a preencher o que falta na imagem e gostamos de imaginar como se sentiria o Outro. No teatro é esta pulsão de jogo infantil, um traço forte do ser humano, que gosto de explorar.
No teatro, a minha intenção é colocar o espectador na pele de quem ele vê, deixá-lo experimentar este forte desejo humano de vida, e a dor de fracassar. Em grandes temas literários. De uma forma directa e imediata.
É por isso que gosto de que o (ou os) protagonista(s) de uma história seja(m) marioneta(s). Pois quero que, à partida, o público esteja pronto a transferir-se mentalmente para a posição dela(s), evitando assim, que eventuais características artísticas do actor possam criar entraves a isso. Isto é manipular. E pode rapidamente tornar-se em algo artificial. E o artificial, em geral, é falso. Por esta razão desvendo estes processos, mostro os manipuladores a tocarem nas suas marionetas, tal como o músico toca o seu instrumento. Mostro o processo de manipulação e cabe ao espectador escolher, em cada momento, qual dos lados seguir. O actor que manipula ou a figura manipulada. A magia consiste na distância entre os acontecimentos. Creio que Brecht, no seu teatro épico, também estava consciente desta magia.
BIO
Moritz Sostmann (DE): Encenador e actor.
Participou no FIMFA com Buddenbrooks (Maria Matos Teatro Municipal, 2014).