Jean-Pierre Larroche: Artes Visuais e Teatro de Marionetas


te de Mort (FIMFA Lx12, Maria Matos Teatro Municipal, 2012)

No teu teatro há dispositivos visuais muito diferentes: engenhos mecânicos, cabanas, palavras escritas sobre painéis, marionetas de luva e desenhos, autómatos, moldes de partes do corpo, alguns objectos encontrados... Porquê escolher formas tão diversas?
Eu quase posso dizer que elas se escolhem a si próprias. Em cada uma das minhas criações, disponho de figuras, como, por exemplo, uma mesa, uns binóculos, um camaleão, um caracol ou padrões vários, que são como uma espécie de colapso, de descarga, um auto-retrato. As formas que tomam estas figuras e padrões não as precedem, elas seguem-nas nas suas combinações e confrontos e formam uma aparência absurda.

A dramaturgia dos teus espectáculos não se cola às histórias, mas mais a acontecimentos concretos. Poderemos falar de um teatro de fenómenos?
Há, por vezes, trechos de histórias... mas eu não sei contar histórias com personagens. Sim, tento contar histórias de fenómenos, observando-os de forma naturalista, seleccionando-os e experimentando. Mas não me compreendam mal: nós inventámo-los, eles são reais, mas usamos estratagemas para desviá-los dos seus caminhos habituais, retiramo-los do seu caminho, é um processo, é um jogo.

Afirmas que queres criar aventuras para o olhar, o que é que isso significa?
Os meus espectáculos quase sempre ocuparam a área frontal dos teatros à italiana. Em frente a esta cena em forma de caixa, o olhar do espectador faz o que quer dentro dos limites de uma direcção e uma estrutura imposta, mas o seu corpo permanece imóvel; para ele é uma experiência muito singular, porque na vida (fora dos ecrãs) o nosso olhar circula sempre com os nossos corpos. Esta cena na sua simples ordem tem um dispositivo particular para lidar com o que é dado a ver e com o que está lá escondido, com os enquadramentos, o campo e o fora de campo. Pode ali começar a aventura do olhar que flui em todas estas regiões do visível e do invisível, que inventa o que adivinha, que constrói a sua visão.
Na verdade, passam-se poucas coisas para os olhos do espectador num teatro, em comparação com a vida quotidiana. Esta é apenas uma oportunidade, de tornar o olhar aguçado e podermos fazer com que siga por caminhos inéditos, aventureiros. Eu sonho o meu teatro como uma cena de prazeres ópticos.

Falas muitas vezes de acidentes...
Por não acontecer grande coisa num palco de teatro, parece-me que o olhar do espectador está muitas vezes ligeiramente à frente dos acontecimentos, como se estivesse à espera destes. Gosto de brincar com esta espera, amplifica-la e contê-la ou tomar o caminho mais curto, provocar a surpresa e a catástrofe. É um jogo de cumplicidades.

Isso tem a ver com o deslumbramento?
Não exactamente. A surpresa que nos interessa é trabalhar com o tempo (entre o antes e o depois) e a duração. Algo (com a surpresa) chega a uma região de mim, onde eu não estou. O que é tão forte em nós, não é o acontecimento em si (seja ele qual for), é, por exemplo, o colapso de construções mais ou menos escondidas, as Expectativas frustradas ou goradas. Foi Paul Valery quem o disse; seguimo-las troçando do tempo estabelecido, com os nossos desvios de percursos e falsificações.

Vemos regularmente pincéis em acção nos teus espectáculos...
... para desenhar de múltiplas formas, construir imagens, colocar símbolos (por vezes palavras). É uma maneira de actuar no palco; uma forma de falar sem usar a palavra.

Texto inspirado numa entrevista com Naly Gérard publicada no caderno "Matière animées - Corps, objets, images", revista Mouvement, em 2014.


BIO
Jean-Pierre Larroche (FR): Cenógrafo, arquitecto, encenador e intérprete. Director artístico da companhia Ateliers du Spectacle.
Participou no FIMFA com Tête de Mort (Maria Matos Teatro Municipal, 2012).