Mischa Twitchin: Reencantamento


The Children’s Emperor & The Pianist 
(FIMFA Lx11, CAMa – Centro de Artes da Marioneta, 2011)


























Que tipo de consciência nos chega através das marionetas? Que tipos de experiência, de compreensão e de sentimento? Num mundo em que o know-how associado à produção é em grande parte entregue a máquinas - em que a proletarização da experiência inclui a imaginação – será que o nosso gosto pelas marionetas se deve em parte à forma de como nos apercebemos da perícia do marionetista? Num mundo onde a autonomia dos obectos ultrapassa o das pessoas, o trabalho de ambos fica reduzido aos critérios da "performance", em que são simplesmente substituídos (ou "actualizados"), quando considerados redundantes.

Paradoxalmente, um teatro de marionetas comercial e corporativo está em desenvolvimento, com a chamada interactiva "internet das coisas", que está prevista ultrapassar até mesmo os actuais aparelhos activados por voz, em que algoritmos já definem os diferentes modos de atenção. A relação especial entre o objecto, a imagem e a palavra no teatro de marionetas resiste, no entanto, a esta degradação da vida. Para além da simples transmissão de energia cinética, a relação entre estes três elementos é aqui uma das motivações da manipulação, simultaneamente pela mão e pela respiração, bem como pela forma de como afectam a narrativa. No teatro de marionetas, estas relações expressam uma imaginação criativa - em que os objectos podem falar, nem que seja para questionar a imagem de que são feitos. É claro, as palavras não são, necessariamente, expressas e o que é expresso não necessita de ser verbal - mas isto já é um exemplo da metáfora inerente às marionetas, através da metamorfose do objecto e da sua imagem. Entre memória e inteligência, imaginação e técnica, surge uma atenção para a existência, expressa nesta criativa animação de objectos enquanto imagens - uma experiência de empatia com o inanimado; um antropomorfismo, não simplesmente da forma, mas do sentimento.

Nem ícone religioso ou ídolo, nem fetichismo da mercadoria, a evocação das relações entre objecto, imagem e palavra no teatro de marionetas não é a da "produtividade" económica, avaliada apenas pelo dinheiro. Num mundo em que a animação e a motivação são continuamente degradadas pelo consumismo, o exemplo do festival da Tarumba é ainda mais vital - especialmente quando os políticos falham em proteger o espaço cívico (incluindo a imaginação), seja na educação ou nas artes. Que tipo de conhecimento de objectos, imagens e palavras, vem afinal até nós, a partir desta economia desencantada - especialmente agora, em nome da "austeridade" para muitos, protegendo o privilégio de tão poucos?


BIO
Mischa Twitchin (UK): Cenógrafo, encenador, desenhador de luz e performer. Foi membro fundador do colectivo teatral e artístico londrino Shunt. Professor no Drama Department da Goldsmiths College (University of London). PhD em “Theatre of Death: the Uncanny in Mimesis”. 
Participou no FIMFA com The Children’s Emperor & The Pianist (CAMa – Centro de Artes da Marioneta, 2011), The Field of Memory - The Zone of Stones, com a colaboração de Penny Francis (São Luiz Teatro Municipal, 2012).