Isabel Barros: Intérprete Espectador


Wonderland (FIMFA Lx10, Maria Matos Teatro Municipal, 2010)

O meu primeiro grande contacto com as marionetas aconteceu em 1994, numa experiência inesquecível de cocriação de 3ª Estação com João Paulo Seara Cardoso.

Essa experiência foi um grande desafio como intérprete e coreógrafa de um espetáculo que cruzou a dança e as marionetas tendo contribuído para uma diferente forma de abordar o trabalho de movimento com as marionetas.

Talvez por ter começado com uma marioneta de escala humana, que exigiu um trabalho forte de relação entre um corpo vivo e um corpo a quem emprestamos temporariamente vida, tenha ficado sempre com uma noção de profunda consciência como espectadora em tempo real. Observar o detalhe, a direção, o impulso, estar presente e ausente no corpo da marioneta.

Desafiar os meus limites e aumentar os limites e as possibilidades da marioneta, foram e são alguns dos eixos do trabalho de movimento. Voar e suspender sem descolar do chão, são experiências de movimento quase diria de projeção do meu corpo no corpo que estou a observar e em simultâneo a contribuir para que ele realize aquilo que desejo e eu/corpo não posso materializar.

Meyerhold chamava às marionetas maravilhas teatrais. Na verdade as marionetas introduzem deslumbramento no ato teatral. As marionetas têm movimentos essenciais, são desafetadas, despojadas. O corpo vivo do ator é demasiado presente, a marioneta permite a distância, um maior espaço de imaginação para o público.

No meu imaginário, as marionetas não falam, são seres de leveza que através do movimento desenham poemas. São seres sem carne, capazes de viver e morrer com a mesma sensibilidade com que se movem.

As marionetas, através do movimento, transformam-se em metáforas teatrais.

Libertas dos constrangimentos funcionais do corpo humano, as marionetas são capazes de transportar o público para lugares mais surreais, atingindo o universo dos sonhos, nomeadamente através do voo, ou das suspensões no ar. O corpo humano realiza através do movimento com marionetas o nível da impossibilidade, fazendo-o como espectador.

Todo o trabalho de movimento com marionetas exige uma relação de atenção, foco, exige a compreensão do Ator em relação à matéria, independente de ser numa pequena ou grande escala. O trabalho de detalhe com as marionetas de pequena escala é precioso pela delicadeza necessária ao mínimo gesto.

Diria que, emprestar vida é um ato de entrega generoso e belo, e só possível com uma profunda consciência de si.

O ator/marionetista será tanto mais feliz, quanto conseguir atingir essa relação de corpo que observa e empresta movimento realizando o que é suposto para aquela marioneta, naquele momento.

E Voar, é o limite máximo, é a realização do desejo do próprio corpo.

A plasticidade do corpo do Ator,  terá todo o reflexo no corpo/movimento da marioneta, é nessa linha de relação, que com olhar atento me coloco enquanto coreógrafa e quando faço direção de espetáculos com marionetas.


BIO
Isabel Barros (PT): Coreógrafa, diretora artística do Teatro de Marionetas do Porto e do Museu das Marionetas do Porto.
O Teatro de Marionetas do Porto participou no FIMFA com Teatro Dom Roberto (Teatro Taborda 2001, Jardim da Estrela, 2012), O Polegarzinho (Centro Cultural de Belém, 2002), O Mundo de Alex (Teatro da Trindade, 2004), Cabaret Molotov (Maria Matos Teatro Municipal, 2007), Capuchinho Vermelho XXX (Museu da Marioneta, 2008, 2011), Wonderland (Maria Matos Teatro Municipal, 2010), Os Três Porquinhos (Teatro Meridional, 2013), Pelos Cabelos (Museu da Marioneta, 2014), Óscar (Museu da Marioneta, 2014).